domingo, 24 de agosto de 2014

Brilho no Escuro



A escuridão tomou conta do céu. Aquele frio forte, rachante, estava sempre presente. Era uma noite um pouco nublada, com uma tímida lua e poucas estrelas.

Embora um pouco baqueado com o que havia ocorrido naquela tarde, por algum motivo eu estava bem. Triste, mas bem. Uma forte energia me dava a certeza de que não estava ali sozinho. Pelo contrário, sentia uma vibração e desejo de viver intensamente.

Resolvi andar um pouco. Segui a orla no sentido do parque florestal. Percebia que as pessoas que cruzavam o meu caminho discretamente me observavam. Por algum motivo eu estava diferente.

Entrei no parque e fui avançando para o meio das árvores. Eu queria mais energia, sentir o ar puro da floresta, as flores, o barulho dos animais. Fui andando, caminhando, até sumir no meio da vegetação. A interação com a natureza poderia realçar toda aquela mistura de sentimentos que estavam mexendo comigo.

Voltei a lembrar de cada pequeno detalhe que passei naquela tarde. Era algo que estava adormecido dentro de mim por muitos anos. Minha natureza sempre foi instável. Depois do primeiro encontro a minha tendência era sempre desistir. Mas com ela tudo era diferente, parecia que já nos conhecíamos a muitos anos, e que aqueles momentos marcaram o reencontro de nossas almas. Por mais que eu ou ela tentássemos fugir, sabíamos que o universo nos traria de volta.

Não sabia nada sobre ela, mal trocamos palavras, mas ao mesmo tempo parecia o contrário. No primeiro encontro fui eu quem tentou partir, achando que ela também o faria, mas não aguentei e voltei. Já no último encontro foi ela quem partiu. Ela já devia ter sua vida estabelecida, organizada, mas quando me viu pela primeira vez sei que imediatamente sentiu a minha energia tomando o seu corpo e invadindo a sua alma. Dai em diante o seu desejo de permanecer ao meu lado não mais a deixou. Tal desejo massacrava sua mente, chaqualhava seu coração, mas batia de frente com o seu racional. Embora procurasse enxergar a tudo isso de forma natural, ela não conseguia fugir de mim em definitivo. Parecia que havia um imã nos puxando, um para o lado do outro, por todo o tempo.

A mistura da noite com a essência das árvores, flores e o forte frio que rasgava a pele, geravam um cenário indescritível que intensificava aquele meu momento de imersão e reflexão.

Estávamos em fases diferentes da vida. Eu em um momento de profunda mudança e transição. Não estava mais me importando com o entorno. Meu objetivo de vida era não desperdiçar mais tempo, abandonar todo o marasmo que havia vivido nos últimos anos e seguir em frente. Respeitar meus sentimentos, ouvir e acreditar nos instintos e permitir-me emocionar-me. Não desejava ferir ninguém, mas precisava lutar pela minha felicidade, não apenas em momentos pontuais, mas de forma global.

Já ela parecia estar vivendo uma dualidade. Por um lado deixava fluir em alguns momentos tudo aquilo que tinha vontade, intensamente, entregando-se por completa. Na verdade era esse o seu verdadeiro desejo. Porém haveria um outro lado, estável, de paz, talvez bonito, e que de alguma forma lhe proporcionava um sentimento leve, suave, agradável. Para permitir a coexistência desses dois mundos, ela os mantinha isolados por uma barreira hermética e bem protegida. De um lado o mundo real, e do outro os desejos mais profundos do seu coração e sua alma.

Ela mesma não sabia qual seria o desfecho de tudo isso, mas a princípio não era relevante. Era necessário tentar entender melhor, e deixar que o tempo naturalmente a ajudasse a definir suas diretrizes. Ainda era possível compartilhar sua existência com os dois mundos sem que supostamente um interferisse no outro, já que ambos eram completamente isolados, e seus personagens não conseguiriam cruzar a barreira, a não ser que um dia ela assim quisesse.

Ainda assim, até o último instante ela lutaria para que o seu mundo real se tornasse o sonho que ela gostaria de viver, tentando colori-lo, enxergá-lo com outros olhos, ou tentaria extrair dele os sentimentos e desejos que tanto sonhava e buscava.

Ela, por mais que parecesse ser uma pessoa extremamente sensata, sabia que lá no fundo do seu ser nem tudo poderia voltar a ser como antes. Depois que descobriu e deixou-se sentir a vida, vibrante, pulsando em suas veias, tornou-se muito difícil aceitar abrir mão desse sentimento por muito tempo. Ela sabia que seus sentimentos mais profundos eram ver o seu mundo ruir, e mergulhar de corpo e alma no novo mundo, mais vivo, colorido, vibrante naturalmente, sem nada de artificial ou forçado, onde ela passaria a viver seu dia a dia intensamente, de coração exposto para o amor e sua alma completamente entregue, frágil, indefesa, tocada, cuidada, nas mãos do ser amado.

Mas não se entregaria assim tão fácil. Este novo mundo necessitaria de alguma forma conquistá-la e provar que é verdadeiro e vale a pena, e não é apenas um sonho, frágil, ilusório, que não se sustentaria por muito tempo tornando-se uma nova realidade monótona e vazia.

Percebi que muito tempo já havia passado, sem que eu notasse. Meu corpo já estava muito fraco, eu precisava alimentar-me. Neste fim de noite resolvi cuidar um pouco de mim mesmo. Amanhã seria outro dia, e tinha certeza de que algo de bom estava por vir.


Em Busca da Luz (cont. - pt.7)


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